Em uma entrevista reveladora, o renomado neurocientista Miguel Nicolelis desmistifica o conceito de Inteligência Artificial (IA), argumentando que ela não é nem inteligente, nem artificial. Segundo ele, a IA, na verdade, se baseia em métodos estatísticos complexos aplicados à mineração de dados, extraindo correlações e projetando cenários futuros com base no passado – um "futuro sem futuro", como o define. Nicolelis compara essa abordagem ao "demônio de Laplace", uma teoria do século XVII que postulava a possibilidade de prever o futuro se todas as variáveis do universo fossem conhecidas. A IA, portanto, seria uma aplicação moderna dessa ideia, limitada pela incapacidade de lidar com a imprevisibilidade inerente à realidade.
O neurocientista destaca a diferença fundamental entre a inteligência humana e a IA: a capacidade de criar. Enquanto os seres humanos são capazes de gerar ideias novas, obras de arte, poemas e inovações tecnológicas a partir do nada, a IA se limita a compilar e rearranjar informações existentes, produzindo o que Nicolelis chama de "plágio sofisticado". Ele exemplifica com o ChatGPT, um modelo de linguagem que, apesar de impressionante, falha em questões existenciais e na criação genuína, pois nunca vivenciou a experiência humana.

Nicolelis alerta para o perigo embutido na ideologia por trás da IA, que visa a substituição e desvalorização do trabalho humano em busca do "lucro ilimitado com custo zero". A automação, segundo ele, ameaça o papel humano no mundo, e a crescente dependência da lógica digital influencia a maneira como nossos cérebros funcionam, limitando a capacidade de raciocínio crítico e criatividade. Ele argumenta que, embora as ferramentas estatísticas por trás da IA sejam úteis em diversas áreas, o problema reside na sua utilização como justificativa para a exploração do trabalhador e a concentração de riqueza nas mãos de poucos.
O neurocientista questiona a visão utópica de uma sociedade liberta do trabalho rotineiro pelas máquinas. Para ele, essa liberdade depende de quem define suas regras e garante os meios de subsistência. Ele cita o exemplo de Bill Gates, que se propõe a definir os parâmetros da renda mínima no futuro, um cenário que concentra poder e controle nas mãos de bilionários da tecnologia.
Nicolelis argumenta que a proliferação de mídias eletrônicas e redes sociais, aliada à IA, está levando a uma "robotização da mente", onde o raciocínio crítico é substituído por impulsos e respostas condicionadas. Ele aponta para a disseminação de deepfakes e a crescente dificuldade em discernir a verdade, levando ao que ele chama de "fim da verdade". Nesse cenário, a tribalização digital cria bolhas de realidade isoladas, com códigos morais e éticos próprios, dificultando o diálogo e a construção de um consenso social.
Nicolelis defende que a luta contra os efeitos maléficos da IA não deve ser contra a tecnologia em si, mas sim pela preservação da condição humana. Ele critica a métrica economicista que define o valor da ciência pela quantidade de publicações e alunos, ignorando a importância da criatividade e do pensamento inovador. Para ele, a ciência deve ser o centro de um projeto de país voltado para o bem-estar da humanidade, e não para o lucro de grandes corporações.
O neurocientista conclui com um alerta: a IA não está hackeando apenas o sistema operacional da nossa civilização, mas a própria essência do que nos torna humanos. A solução, segundo ele, reside em conhecer e regular a IA, definindo como sociedade quais valores queremos preservar e que tipo de futuro queremos construir. Ele destaca a urgência desse debate, pois corremos o risco de criar uma geração futura de "zumbis digitais", incapazes de raciocinar, criar e se conectar com a herança cognitiva da humanidade.